| Cais do Pino |     
     Abraçando a zona portuária e o centro da cidade de Santos/SP, o bairro do Valongo convive com o passado da riqueza do café, o presente da degradação e o futuro das promessas de revitalização e desenvolvimento turístico. Foco de audaciosos projetos urbanísticos e de infraestrutura, a região apenas observa as propostas de melhorias serem esquecidas ou adiadas. O Valongo parece que está em uma constante tensão. Tem uma história de extremos e um presente de extremos. Foi do céu ao inferno: da elite e riqueza do café ao consumo e tráfico internacional de cocaína. Cais do Pino são cenas urbanas da pulsão diária do centro da cidade; registros de um passado que grita resistência entre cabos e trilhos de bondes e trens; documentação amarga de situações humanas humilhantes e extremas; vestígios da dor que emana dos pinos vazios de uma noite tensa. 
     No entorno do porto, no coração e nas veias do bairro, salta aos olhos o enorme número de pequenos recipientes de plástico vazios jogados pelo chão. Antes cheios com 1g de cocaína, os pequenos objetos - chamados de “pinos” - são parte integrante da paisagem da região; estão incrustados como joias entre pedras e cascalho. Em 2017 eram oferecidos mesmo durante o dia - por preços que variavam de R$5 a R$10 - em locais que antes eram de extrema importância para a cidade de Santos e o comércio do café. Pinos ao lado da Estação do Valongo; pinos no “morro aqui atrás”, como falou o garoto G. em uma tarde chuvosa no estuário do porto. Droga barata para os viciados do Valongo e carregamentos gigantescos de cocaína nos contêineres que seguem para a Europa. Em 2018 foram apreendidas 23 toneladas de cocaína no porto de Santos; em 2021 foram interceptadas 16 toneladas da droga que seguiria para a África e Europa ¹.
     Valongo segue nos extremos. A região é um espaço urbano de extrema diversidade. Foi durante décadas muito pouco habitado, como grande parte das regiões portuárias, e atualmente mantém um número pequeno de moradores e um número bem maior de imóveis vazios/abandonados. Ao mesmo tempo em que abriga uma moderna sede da Petrobrás, ainda mantém um considerável número de docas e galpões se decompondo ao reflexo das águas. O Valongo permanece na constante tensão entre contêineres, caminhões, trilhos, navios e cortiços; entre passado e presente; entre café e cocaína; entre riqueza e degradação; entre a dor de uma solidão e a esperança do mar.
    Latidos furiosos e acessos proibidos. Pedregulhos molhados, navalhas sujas, vômito, casamentos noturnos, noites de brega e cervejas baratas. Olhar nem tão estrangeiro para cenas que se repetem em vermelho, preto, branco e cinza. Valongo escorre. Valongo pulsa. 

¹ Dados da Receita Federal retirados de informações da Agência de Notícias do Governo Federal.
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